Símbolo de luta e resistência, uma obra monumental, forjada pela paixão de milhares que viraram milhões. Há 96 anos, nosso caldeirão era inaugurado e, de presente, contamos um pouco da sua história, com conteúdos e imagens INÉDITAS.

INTRODUÇÃO

O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas é celebrado em 10 junho, uma referência à data de falecimento do poeta lusitano Luís Vaz de Camões (10/06/1580).

Inspirados nesse dia tão simbólico para os portugueses e todos aqueles que possuem alguma relação afetiva com a cultura portuguesa, relembraremos as raízes lusitanas da agremiação vascaína, elemento precípuo para a fundação, a consolidação e a postura diferencia do Clube no campo esportivo carioca e brasileiro.

Outrossim, procuramos tanto destacar o protagonismo da agremiação vascaína enquanto uma associação luso-brasileira, quanto recordarmos a existência da relação fraternal entre o C. R. Vasco da Gama e as agremiações coirmãs da pátria portuguesa.

O VASCO, O RIO DE JANEIRO, O REMO E OS PORTUGUESES

IMIGRAÇÃO PORTUGUESA NO SÉCULO XIX

Cerca de 50 milhões de europeus migraram entre 1850 e 1930. A fome, a busca por fortuna, a procura por glória pessoal, motivações de toda natureza levaram os europeus a saírem de seu continente para outras partes do mundo. Coube aos povos latinos (portugueses, espanhóis e italianos) a maior parcela dos emigrantes do Velho Continente no último terço do século XIX. 

A vocação para se deslocarem através do mundo é uma das características do povo português, constituída em um longo percurso histórico. Desde o período colonial, o fluxo de lusitanos para o Brasil foi de certa forma constante, verificando-se momentos de maior afluência, por exemplo, quando do contexto da exploração mineradora em Minas Gerais, entre o final do século XVII e primeira metade do século XVIII. 

No século XIX, a imigração portuguesa para o território nacional assumiu um caráter diferente. A chegada em larga escala de portugueses, tendo como destino principal a cidade do Rio de Janeiro, no final do Oitocentos e início do Novecentos, configura-se como um processo histórico específico dentro do quadro histórico geral da imigração portuguesa na América.

O Brasil era visto pelo imigrante português como terra de abundância e oportunidades de enriquecimento. Desejoso pela melhoria de vida, o imigrante português enxergava, principalmente, na cidade, e não no campo, o lugar capaz de lhe fornecer meios para isso. Assim, os portugueses terão papel central no aumento populacional da do Rio de Janeiro e estarão presentes nos mais variados setores da então maior e mais importante cidade do país.

Um vapor
Um vapor
Um vapor
Um vapor
Um vapor
Um vapor
Um vapor
Um vapor
Um vapor
Um vapor

Tabela 1 - Emigração portuguesa oficial e estimada entre 1885 e 1930

Períodos Saídas Legais Estimativas com Clandestinos
1855-1864
77049
80.901
1865-1878
148.248
155.661
1879-1890
215.502
247.903
1891-1900
268.326
307.903
1901-1911
385.928
439.046
1912-1920
366.114
391.743
1923-1930
324.752
347.486

Tabela 2 - Imigração Portuguesa no Brasil (1880-1930)

Anos Imigração Portuguesa
1880
12.101
1880
12.101

Anos

Imigração Portuguesa

 

Anos

Imigração Portuguesa

1880

12.101

 

1911

47.493

1883

12.509

 

1912

76.530

1886

6.287

 

1913

76.701

1889

15.240

 

1915

15.118

1892

17.797

 

1916

11.981

1895

36.055

 

1919

17.068

1898

15.015

 

1922

28.622

1901

11.261

 

1925

21.508

1904

17.318

 

1928

33.882

1907

29.681

 

1929

38.879

1910

30.857

 

1930

18.791

Fonte: CARNEIRO, 1950 apud LOBO, 2001, p. 142.

RIO DE JANEIRO: UMA CIDADE PORTUGUESA

No final do século XIX, o Brasil vivenciava um conjunto de mudanças que reorganizaram a sua estrutura política, social, cultural e econômica. O Rio de Janeiro, na condição de capital do país, sentia de forma mais intensa os impactos dos novos tempos que vinham sendo maturados. A Abolição da Escravidão (1888), a Proclamação da República (1889), instaurada através de um golpe que impôs o fim do Império, o fenômeno do Encilhamento e os impactos com a Grande Reforma Urbana do Rio de Janeiro (1903-1906) foram transformações substantivas fundamentais para a reconfiguração da vida urbana da cidade no início do século XX.

A partir do último quartel do Oitocentos, a urbe carioca passa por um vertiginoso processo de crescimento populacional, impulsionado tanto pela migração interna (pessoas de outras cidades e regiões que vinham para a capital do país na busca por melhores condições de vida) quanto pela imigração de estrangeiro para o solo nacional. Em 1872, a população do Rio de Janeiro era de 274.972 habitantes, pouco mais de duas décadas depois, no ano de 1890, o número de residentes havia saltado para 522.651. No ano de 1906, o Rio de Janeiro alcançou o patamar de 811.443 e disparou para 1.157.873 habitantes em 1920. Ao longo de todo esse período, verificou-se um aumento de quase 900 mil pessoas (mais de 400%) na população carioca.

A colônia portuguesa representava a maior parte do contingente de estrangeiros no Rio de Janeiro, sendo muito superior às demais de outras nacionalidades. Em 1890, dos 522.651 habitantes, a população de brasileiros era de 398.299 indivíduos (204.845 homens e 193.454 mulheres), dos quais 120.983 habitantes eram filhos de pai e mãe portugueses, 2.895 habitantes eram filhos de pai brasileiro e mãe portuguesa e 37.325 habitantes eram filhos de pai português e mãe brasileira. Dessa forma, a cidade possuía 267.664 habitantes da cidade com ascendência portuguesa, o equivalente ao espetacular percentual de 51,21% da urbe carioca.

Tabela 4 – População do Rio de Janeiro (1872-1920)

Ano

Total da população

Estrangeiros

Portugueses

1872

274.972

73.310

55.933

1890

522.651

155.202

106.461

1906

811.443

210.515

133.393

1920

1.157.873

239.129

172.338

Fonte: Censos de 1872, 1872 (BRAZIL, 1876), 1890 (BRAZIL, 1898), 1906 (BRAZIL, 1907) e 1920 (BRAZIL, 192.

 

Por meio do confronto entre os censos portugueses e dos dados censitários brasileiros, constatamos que a capital brasileira possuía mais portugueses que a maioria das cidades lusitanas entre 1890 e 1920, na área continental de Portugal. Se fosse “portuguesa”, a urbe carioca seria, em termos populacionais, a terceira maior cidade lusitana de Portugal Continental (território continental Portugal, situado na Península Ibérica) perdendo apenas para Lisboa e o Porto.

 

Número de portugueses no Rio de Janeiro e nas principais cidades do território continental de Portugal (1890-1920)

CIDADE

1890

1900

1906-1911

1920

Lisboa

282.989

348.369

419.120

471.894

Porto

133.114

162.718

188.903

199.489

RIO DE JANEIRO

106.461

133.393

172.338

Braga

54.933

57.729

60.441

56.758

Coimbra

51.010

54.458

62.051

62.262

Setúbal

28.929

37.118

47.467

54.849

Fonte:  SANTANA, Walmer Peres. A consolidação do Club de Regatas Vasco da Gama (1898-1906). 2021. 356f. Dissertação (Mestrado em História Política) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.  Tabela produzida com base nos censos brasileiros de 1890 (BRAZIL, 1898), 1906 (BRAZIL, 1907) e 1920 (BRAZIL, 1923), e nos censos portugueses de 1890 (PORTUGAL, 1896), 1911 (PORTUGAL, 1913) e 1920 (PORTUGAL, 1925). No período de 1906-1911, os números referentes ao Rio de Janeiro são do censo de 1906 (BRAZIL, 1907) e os das cidades portuguesas constam no censo português de 1911 (PORTUGAL, 1913). O censo brasileiro de 1910 não foi realizado devido à instabilidade política.

 

O lusitano poderia compor os mangotes que abarrotavam as habitações populares (cortiços, hospedarias, estalagens, casas de cômodo, avenidas, zungas e pandemônios), ser o proprietário das habitações populares, o industrial, o operário, o dono de casa comercial, o caixeiro, o estivador, pertencer às camadas populares, às camadas médias ou às elites. Em suma, os portugueses estavam presentes em todas as camadas sociais e participava das mais diversas atividades econômicas desenvolvidas na cidade do Rio de Janeiro.

Uma das facetas da colônia portuguesa carioca, que também pode ser observada em outros locais de concentração lusitana, foi a criação de associações dos mais variados matizes. A criação de agremiações pelos imigrantes portugueses no Rio de Janeiro pode ser compreendida como uma estratégia de afirmação e conformação da colônia lusitana. Esse processo atendia tanto à necessidade de auto-organização (para melhor encarar os problemas e desafios encontrados no Brasil e para celebrar a relação com a pátria distante) quanto ao desejo de demonstrar à sociedade brasileira o valor da colônia lusitana, e sendo também uma forma de intervenção política.

Durante o período colonial, o espírito associativista português manteve-se restrito às ordens terceiras e às irmandades, instituições que estavam voltadas para a caridade, assistência social, religiosa e beneficente. As ordens criadas foram: Ordem Terceira de São Francisco da Penitência (fundada em 1619), Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo (fundada em 1648), e a Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento Santo Antônio dos Pobres e Nossa Senhora dos Prazeres (fundada em 1807). A partir da Independência, como consequência da emancipação política do Brasil frente à antiga metrópole, Portugal, emergiram duas novas questões que redirecionaram os rumos da prática associativa lusitana no Rio de Janeiro.

A primeira questão relacionava-se à necessidade de construção de uma identidade e de preservação da memória dos portugueses que passaram de colonizadores à imigrantes, como consequência disso, surge o Gabinete Português (fundado em 1837 e a partir de 1906 torna-se Real Gabinete Português de Leitura). A segunda questão estava associada às necessidades de diversos matizes a que estavam submetidos os portugueses que viviam no Rio de Janeiro, dando origem a um grande número de associações portuguesas beneficentes, escolas e clubes sociais.

A criação de clubes esportivos e a participação portuguesa nas agremiações esportivas configuraram uma demonstração importante da representatividade da colônia lusitana na então capital do Brasil. Além disso, tal fenômeno nos ajuda a pensar o surgimento do nosso Club de Regatas Vasco da Gama, uma agremiação criada em decorrência dos interesses dos portugueses pelo então esporte mais popular da principal metrópole brasileira: o remo.

OS LUSITANOS E O COMÉRCIO CARIOCA

No Rio de Janeiro, os portugueses, na sua maioria jovens vindos do Norte português, especialmente do Minho, Douro e Trás-os-Montes (provenientes de cidades como Viana do Castelo, Braga e Vila Real, ou camponeses pobres de Vila Nova de Foz Côa ou Moimenta da Beira), desempenhavam variadas atividades, entretanto, destacava-se, sobretudo, a presença dos lusos no comércio e no transporte da urbe carioca. O setor comercial é particularmente importante para o Club de Regatas Vasco da Gama, haja vista que a maior parte de seus fundadores e sócios e dirigentes nas primeiras décadas de sua existência provinham do comércio, como patrões ou empregados.

De um modo geral, o português que chegava ao Rio de Janeiro, desembarcando no antigo Cais Pharoux, rumo ao pretendido sucesso através do comércio, sem possuir capital inicial para a abertura de um negócio próprio, inevitavelmente, atuaria na função de caixeiro (empregado do comércio). Atuando como uma espécie de “faz tudo”, empregado no estabelecimento de algum parente, vizinho ou de algum patrício já estabelecido a quem o jovem era recomendado e o apadrinhava, esse trabalhador poderia residir como agregado na casa dos patrões ou dormir no próprio comércio (loja ou armazém) em que labutava. Estavam sujeitos a longas jornadas de trabalho, com a abertura do comércio no Rio de Janeiro entre às quatro e seis horas da manhã e o fechamento das portas variando entre às dez horas e meia-noite, alcançando dezessete ou dezoito horas de trabalho.

Os empregados do comércio estavam subordinados ao severo controle social exercido pelo seu empregador. As horas de lazer eram escassas e, geralmente, praticadas próximos ao local onde trabalhava e, não raro, também residia. Esses indivíduos se submetiam ao trabalho morigerado, com a perspectiva de ganhar a confiança de seu patrão, subir na hierarquia interna e, talvez, após alguns anos, tornar-se sócio do empreendimento ou dono de seu próprio negócio.

Desde meados do século XIX, a profissão de caixeiro, no Rio de Janeiro, incluía um espectro amplo de funções que atendiam a uma escala hierarquia. Era o caixeiro que atendia ao balcão, pesava, embrulhava, vendia, organizava e carregava as mercadorias, fazia as entregas e as cobranças aos fregueses. Era também responsável pelos livros de contas e letras. Além disso tudo, era o caixeiro quem fazia a limpeza e a arrumação, ou seja, a maioria deles fazia de tudo um pouco nas pequenas lojas.

Os estabelecimentos um pouco maiores costumavam empregar mais de um caixeiro: aquele que cuidava das finanças da casa era o primeiro-caixeiro ou guarda-livros e o que atendia o público era chamado de caixeiro de balcão, que podia também ser o segundo-caixeiro. Já o último empregado de um estabelecimento era responsável pelas tarefas consideradas memores, como, por exemplo, a limpeza do local, de que lhe surgiria a designação “vassoura”.

O objetivo do imigrante lusitano nas terras brasileiras, a grosso modo, era trabalhar para que pudesse fazer suas economias, ao mesmo tempo, enviar dividendos para ajudar os seus familiares que ficaram na sua terra natal, e guardava consigo o sonho de retornar como “Brasileiro” (eram assim chamados em sua terra natal os portugueses que retornavam enriquecidos para Portugal, após a emigração para o Brasil), ostentando riqueza na sua “terrinha”, realidade essa que, na maioria dos casos, não se concretizava.

Grande parte dos imigrantes portugueses não possuía profissão certa (uma tônica do cenário social da sociedade carioca do período), trabalhavam de ambulantes pela cidade, comercializando os mais diversos produtos de porta em porta. Para sobreviverem na vida urbana do Rio de Janeiro, havia aqueles que sujeitavam a serviços extremamente exaustivos e que forneciam péssimas condições de trabalho, como a atividade da estiva na zona portuária.

Por se submeterem a “qualquer tipo de trabalho” no intuito de vencer em terras cariocas, aceitando salários exíguos, que em Portugal jamais aceitariam, os imigrantes portugueses passaram a ser chamados de “galegos” pelos próprios patrícios. O apelido se popularizou na cidade, passando os próprios brasileiros a ofenderem os portugueses com tal alcunha, haja vista que chamar um português de “galego” era uma das maiores ofensas que se poderia fazer a um lusitano naquele período. Em Portugal, os piores postos de trabalho eram reservados aos galegos, espanhóis que imigravam vindos da Galícia, região paupérrima da Espanha e que faz divisa com o Noroeste português.

            No Rio de Janeiro do final do século XIX e início do século XX havia o “baixo comércio” e o “alto comércio”. No “baixo comércio” encontravam-se os armarinhos, hotéis, hospedarias, casas de cômodos, lojas de calçados, barbeiros e cabelereiros, restaurantes, padarias, confeitarias, tavernas, cafés, secos e molhados, armazéns, vendas, bares, botequins e casas de pastos.

Por outro lado, o “alto comércio” era formado sobretudo pelos escritórios de exportação e importação, que encerravam os trabalhos por volta das três ou quatro horas da tarde. Executavam-se operações complexas, dizia-se (referência às operações de câmbio, entre outras), para as quais seria necessária formação mais especializada e aprofundada do que a que era exigida no “baixo comércio” do Rio de Janeiro. Consequentemente, a situação dos caixeiros de escritório que trabalhavam nesse tipo de casa era bem diferente da dos outros.

Alberto de Carvalho Silva

            Alberto de Carvalho Silva foi eleito pela primeira vez para Presidente do Vasco da Gama em 24 de agosto de 1902, com 66 votos, tomando posse no dia 31 de agosto daquele ano. Português e negociante de prestígio na praça comercial da urbe carioca, trabalhou como empregado do comércio para o seu antigo patrão, Alvaro Braga, provavelmente um lusitano, no estabelecimento Camisaria Especial, até tornar-se sócio do estabelecimento, em 1892.

Junto a Manoel José Tavares, outro ex-funcionário de Alvaro Braga, Alberto Silva constituiu a firma Carvalho, Tavares & C., que herdou o estabelecimento do antigo patrão. Tal casa comercial situava-se no número 53 da prestigiada Rua do Ouvidor, no local vendia-se roupas e artigos para homens, acessórios para casa e cama, e artigos esportivos de remo e ciclismo. Em 1903, Alberto de Carvalho Silva constituiu a firma Almeida & Silva, voltada para a comercialização de fazendas a varejo (lã, algodão, seda e linho), ao lado de José Domingues de Almeida. O estabelecimento situava-se nos números 54 e 56 da Rua Uruguaiana.

A família Carvalho Silva foi importante na vida social, política e financeira do Vasco da Gama nos anos iniciais do século XX. Os pais de Alberto Silva eram os portugueses Daniel de Carvalho Silva e Anna Rodrigues de Barros. Fizeram parte da agremiação vascaína de forma constante os seus irmãos José de Carvalho Silva e Francisco de Carvalho Silva, e os que acreditamos serem seus primos, Luiz Alberto de Carvalho Silva e Luiz de Carvalho Silva. Todos eles atuavam no comércio da cidade do Rio de Janeiro. Havia outros dois irmãos, o negociante Antonio de Carvalho Silva e Maria Augusta de Carvalho Silva.

            Alberto de Carvalho Silva também seria Presidente do Vasco em mais duas oportunidades, sendo reeleito em 02 de agosto de 1903 e eleito para o terceiro mandato, em 12 de agosto de 1906. Auxiliado por outros negociantes, contribuiu significativamente para as finanças e o crescimento patrimonial do Clube. O dirigente financiava a construção e importação de embarcações, doava dinheiro, comprava objetos de necessidade diárias para a agremiação, entre outras benesses. A participação do mandatário vascaíno foi fundamental para a consolidação do Club de Regatas Vasco da Gama no campo esportivo.

RIO DE JANEIRO: UMA CIDADE ESPORTIVA

A partir da chegada da família real portuguesa, em 1808, o Rio de Janeiro vivenciou transformações no seu cenário urbano, na economia e na política com o objetivo de adequá-la para que melhor desempenhasse a função de sede do Império Português. Nesse contexto, cresceu a dinâmica pública, tendo sido observadas as primeiras iniciativas associativas e melhor delineamento de um mercado ao redor dos entretenimentos. As diversões tornaram-se mais valorizadas e criou-se uma ambiência para as práticas esportivas.

Na segunda década do XIX, com o avanço dos movimentos independentistas e a efetivação da independência política frente à Portugal, esse processo se acentuou, articulando-se com os primeiros momentos de construção de uma ideia de nação e formação de uma identidade nacional própria. O Brasil buscava identificar-se internacionalmente como um dos países mais avançados do mundo e para isso procurou associar-se ainda mais com os padrões civilizatórios europeus, especialmente do eixo Londres e Paris.

A influência dos estrangeiros foi importante para desenvolvimento do campo esportivo do país. Os europeus trouxeram o hábito e o desejo de estruturar clubes, organizar competições esportivas e até mesmo de ensinar práticas ligadas às atividades físicas/esportes. Na década de 30 do Oitocentos, as corridas de cavalos passaram a ser cada vez mais recorrentes, com forte presença dos britânicos, cuja presença se ampliou na metrópole carioca. As provas turfísticas eram bastante valorizadas pelas elites, e gradativamente começaram a atrair um número maior de interessados, gente que buscava desfrutar das novas oportunidades de convivência em público.

Os “desafios de canoas” tornaram-se grandes atrações em uma cidade na qual progressivamente a população passava a ocupar mais as praias, a princípio por motivações médicas, posteriormente também por razões de entretenimento, um sinal dos avanços nos costumes. Um dos desafios de canoas que mais teve repercussão nas terras cariocas ocorreu em 1846, quando as canoas “Lambe-Água” e “Cabocla” disputaram um páreo cruzando a Baía de Guanabara, saindo de Jurujuba, em Niterói, com destino final a praia de Santa Luzia, no Rio de Janeiro. A guarnição da Cabocla foi a vencedora.

Não obstante a existência de manifestações da prática esportiva no Rio de Janeiro nas três primeiras décadas do século XIX, a não organização de clubes impedia uma maior sistematização das modalidades, como o turfe, o remo e o críquete. A partir da década de 1850 ocorre avanços na estruturação do Estado brasileiro, com reformas nos mais diferentes âmbitos e adesão sistemática a discursos civilizatórios. A potencialização dos divertimentos emerge como um dos desdobramentos de um conjunto de mudanças: no âmbito da economia (diversificação dos meios de produção), na política (maior estabilidade do Império e estruturação da burocracia nacional) e na cultura (mais intensa relação com parâmetros simbólicos e materiais que vinham da Europa). Nesse contexto, começou-se a melhor estruturar o campo esportivo na sociedade da Corte, tendo como base a fundação das pioneiras agremiações esportivas do Rio de Janeiro (e provavelmente do Brasil). Nos anos de 1849 e 1851, respectivamente, foram criados o Club de Corridas, entidade dedicada ao turfe, e a Sociedade Recreio Marítimo, agremiação destinada ao remo.

Tais experiências de clubes esportivas foram breves, mas renderam frutos. No caso do Club de Corridas, lançou-se as bases para outras semelhantes, estruturadas na década de 1850, momento no qual, mesmo com dificuldades e improvisações, a modalidade viveu seu momento de popularidade, celebrado num hipódromo construído nas redondezas da região central da cidade, o Prado Fluminense. Por sua vez, a Sociedade Recreio Marítimo (já no ano seguinte a sua fundação como Sociedade Regata) organizou regatas nos anos de 1851, 1852 e 1853, atraindo bastante a atenção do público carioca. Além disso, foram organizadas outras regatas através das iniciativas de grupos não organizados.

No final da década de 60 do Oitocentos, foi fundado no Rio de Janeiro um importante clube esportivo destinado a ginástica, a partir da tomada de ação de indivíduos que compunham a populosa colônia portuguesa da cidade: o Club Ginástico Português (fundado em 1868). Em 1876, a agremiação foi agraciada pela monarquia portuguesa com o título de “Real”, em decorrência dos serviços prestados à cultura e à colônia lusitana. Dois anos antes, no ano de 1874, em decorrência de conflitos internos, houve uma dissidência que gerou a criação de uma agremiação rival, o Congresso Ginástico Português, igualmente criada e constituída por elementos lusos, mas que possuía as suas peculiaridades em relação a primeira entidade.

Apesar de terem coexistido diferentes modalidades esportivas na Corte brasileira da segunda metade do século XIX tenha coexistido diferentes modalidades esportivas (o turfe, o críquete, o remo, o ciclismo, a natação, a ginástica, as touradas), o primeiro esporte a se sistematizar no Rio de Janeiro foi o turfe. O turfe se estruturou em definitivo no Rio de Janeiro no final dos anos de 1870, com papel de destaque ao Jockey Club (fundado em 1868), uma das mais importantes agremiações da modalidade. O Derby Club foi outra agremiação turfística de destaque. Fundado nos finais da década de 1880, contribuiu para uma maior popularização das corridas. Se por um lado o Jockey Club era bastante ligado ao setor agropecuário, o Derby Club estava ligado mais a um estrato urbano das elites. Em 1932, o Derby Club se uniu ao Jockey Club para formar o Jockey Club Brasileiro.

O remo foi o segundo esporte a ser sistematizado no Rio de Janeiro. Malgrado essa prática esportiva existisse desde a década de 50 do século XIX, a sua consolidação se efetivou de modo mais lento em relação ao turfe. Mesmo diante dos avanços dessa prática entre 1850 e 1970, ainda não existiam as condições organizacionais nem tampouco a aceitabilidade total, tanto por parte dos membros das elites, quanto da população em geral para que o esporte se desenvolvesse plenamente. As restrições ao remo estavam relacionadas a fatores como a estética corporal dos remadores (em uma época em que se valorizava corpos mais magros e fracos), a pouca quantidade de roupa que eles usavam (o que gerava críticas quanto ao pudor da modalidade) e a compreensão de que tratava-se de uma atividade física intensa (quando os exercícios eram muitas vezes considerados prejudiciais à saúde e de menor valor perante as atividades intelectuais).

Após a experiência das regatas na década de 50 do Oitocentos com a Sociedade Recreio Marítimo e outras entabuladas por entusiastas dessa prática, observa-se na década de 60 uma continuidade do processo de inserção do remo na cidade. Em 1962, surgem duas novas associações: o grupo Regata e o British Rowing Club. Essas associações eram capitaneadas por figuras importantes do Rio de Janeiro, sendo a segunda de formação eminentemente inglesa. Nesse momento, se o remo ainda não estava estruturado por completo e enfrentava resistências, já haviam sido dados primeiros passos.

Em 1867 foi criado o Club de Regatas, que realizou atividades na enseada de Botafogo naquele ano e em 1868. Entretanto, seria na década de 70 do século XIX que surgiria o clube que definitivamente marcou o estabelecimento do remo na urbe carioca: o Club Guanabarense (fundado em 1874). No início da década de 80 do Oitocentos, o Guanabarense organizou várias regatas, inclusive entre clubes que originalmente se destinavam a outras práticas, como a ginástica. Esse clube foi muito importante por ter sido o primeiro a conseguir popularizar o esporte com suas atividades constantes.

Nas duas últimas décadas do Oitocentos, um conjunto de mudanças melhor se delineiam na cidade e engendram novos parâmetros culturais, que contribuem para fazer declinar as restrições ao esporte náutico. A partir de então, o remo passa a se estruturar melhor e cada vez mais a ser aceito pela população, bem como encarado como um sinal dos “novos tempos”, diante do avanço dos aspectos da modernidade que a cidade vivenciava. Nesse contexto, os banhos de mar tiveram um papel importante. Desde meados do século XIX, tal prática vinha ganhando espaço na cidade. O aumento da aceitabilidade e da presença dos banhos de mar, mesmo nos primeiros momentos quando ainda possuíam um caráter exclusivamente terapêutico, forneceram condições para que se desenvolvesse uma nova sociabilidade nas praias, plantando as sementes para o desenvolvimento dos esportes náuticos da metrópole.

No último quartel do século XIX, observa-se uma maior valorização das vivências públicas. Os ventos da modernidade vindos da Europa traziam as notícias de um novo tipo de homem e novas preocupações com a estética corporal: o físico forte começaria a ser, gradativamente, valorizado. Os banhos de mar passaram a ser encarados como exercícios físicos relacionados à melhoria do padrão estético do corpo. Percebe-se o início da valorização de um novo modelo de corpo: mais exposto, mais forte, mais disposto aos exercícios físicos. A forma de se vestir também passa por mudanças. As roupas mais leves passam a cair no gosto da população. Assim, gestava-se um novo estilo de vida, sobre o qual o remo teve grande influência.

A partir dos anos 80 do século XIX são criados muitos clubes de remo e diversas competições foram organizadas para o deleite de uma população que cada vez mais apreciava o esporte náutico. A título de exemplo foram fundados os seguintes clubes: o Club de Regatas Paquetá (em 1884), o Club de Regatas Saldanha da Gama (Niterói, em 1884), o Club de Regatas Cajuense (em 1885), o Club de Regatas Internacional (em 1887), o Union des Canotiers (em 1892), o Club de Regatas Fluminense (em 1892), o Club de Regatas Botafogo (em 01/07/1894), o Club de Regatas 15 de agosto (em 1894), a Escola Militar (em 1894), Grupo de Regatas Gragoatá (Niterói, em 05/02/1895), o Club de Regatas Icarahy (Niterói, em 11/06/1895), o Club de Regatas do Flamengo (em 17/11/1895, inicialmente, como Grupo de Regatas do Flamengo)177, o Club de Natação e Regatas (em 13/12/1896, inicialmente como Club de Natação), o Club de Regatas Boqueirão do Passeio (em 21/04/1897), o Grupo de Regatas Cajuense (em 12/10/1897) 178, o Club de Regatas Vasco da Gama (em 21/08/1898), o Club de Regatas Guanabara (05/07/1899, inicialmente como Grupo de Regatas Guanabara), o Grupo Náutico (Niterói, em 1900) e o Club Internacional de Regatas (em 16/09/1900).

Nos anos de 1890, se promoveu a relação definitiva do remo e os novos parâmetros de saúde, higiene e moralidade que se delinearam na metrópole carioca no decorrer do século XIX. Diante do contexto de conformação da prática do remo, alguns clubes procuravam criar uma entidade representativa das agremiações náuticas, que pudesse organizar as competições e fomentar essa prática na sociedade fluminense. Após o insucesso com a primeira tentativa em 1895, em 31 de julho de 1897 foi criada União de Regatas Fluminense. A partir de então, as regras tornaram-se cada vez mais organizadas e estruturadas pelos códigos e estatutos. As regatas deixaram de ser organizadas sem o aval da entidade organizadora.

Nos primeiros anos do século XIX, já se tinha realizado inúmeras competições de distintas práticas esportivas no Rio de Janeiro. O mercado de entretenimento estava cada vez mais diversificado. Nesse contexto, no qual verificava-se uma profusão da vida associativa e clubista, o futebol se inserir e consolidar-se. Apesar das primeiras experiências com esse esporte datarem do século XIX, essa prática melhor se estrutura a partir do Novecentos.

Em um primeiro momento, o desenvolvimento do futebol se deu através de clubes formados por ingleses e seus descendentes. Ainda na primeira década do século XX, a criação de equipes se deu de forma bastante acelerada. O ludopédio transformou-se em uma febre. Em alguns casos, agremiações que, originalmente, se dedicavam a outro esporte, aderiram a sua prática, caso do Vasco da Gama e do Flamengo. Um grande número de clubes de futebol se espraiou pela cidade, inclusive pelos subúrbios, na esteira da expansão da rede ferroviária e da malha urbana. Na segunda década do Novecentos, esse esporte já era o mais popular da então capital do Brasil.

OS LUSÍADASA: A EPOPEIA PORTUGUESA E O FEITO HISTÓRICO DE VASCO DA GAMA

A grande obra e o grande poeta portugueses

A obra Os Lusíadas é um poema épico escrito por Luís Vaz de Camões e publicado no ano de 1572, em Lisboa. O poema se divide em dez cantos, contendo ao todo 1.102 estrofes e 8.816 versos. O tema da obra é a história de Portugal, narrada desde as origens míticas (a fundação da Lusitânia por Luso, filho ou companheiro do deus Baco, e as narrativas sobre o pastor Viriato) até as Grandes Navegações, a partir de vários acontecimentos que se desenvolvem no decorrer da viagem de Vasco da Gama à Índia (1497-1499).

Autor do épico português, Luís Vaz de Camões teria nascido em 1524 ou 1525, oriundo de uma família da pequena nobreza, originária da Galiza. Supõe-se que tenha frequentado o Colégio de Santa Cruz, em Coimbra. Na juventude, compôs poemas que demonstram um convívio com a vida palaciana em Lisboa. Alistou-se como soldado raso para uma expedição militar a Ceuta, perdendo um olho em uma batalha naval no Estreito de Gibraltar.

No dia 24 de março de 1553, Camões partiu do Tejo na nau São Bento, da frota de Fernão Álvares Cabral, para a Índia (ou às Índias). Essa viagem seguiu o mesmo trajeto da histórica expedição de Vasco da Gama. O escritor português permaneceu mais de 16 anos no Oriente, participando de diversas expedições e batalhas. Retornou a Portugal entre 1569 e 1570. Terminou a sua principal obra, Os Lusíadas, e pelos serviços prestados à Coroa, passou a receber uma pensão anual.

Amargurado pela derrota portuguesa em Alcácer-Quibir, em 1578, na qual morreu o jovem rei D. Sebastião, e doente, talvez, vítima da peste que assolava Lisboa, Luís de Camões veio a falecer no dia 10 de junho de 1580. Meses depois da morte do grande poeta lusitano, Portugal perdeu a sua independência, passando para o domínio da Espanha. Iniciava-se o período da União Ibérica, que se findaria apenas em 1640.

Vasco da Gama: o herói lusitano da mundialização, da Expansão Marítima

Trabalha por mostrar Vasco da Gama

Que essas navegações que o mundo canta

Não merecem tamanha glória e fama

Como a sua, que o Céu e a Terra espanta.

(Os Lusíadas, Canto V, XCIV)

 

O navegador português Vasco da Gama, pela tradição, teria nascido em Sines, Portugal, no ano de 1469. Terceiro filho de Estêvão da Gama e de Isabel Sodré, herdou o nome de seu avô paterno: Vasco. O primogênito era Paulo da Gama, seu irmão mais velho, que o acompanhou na primeira viagem marítima para a Índia. A família de Gama servia à Ordem de Santiago, sob a qual ascendeu socialmente.

Quando tinha cerca de 23 anos, o então rei português, D. João II, incumbiu Vasco da Gama de uma difícil missão, o que demonstrava a confiança do monarca nas suas habilidades. A ordem era capturar embarcações francesas que estavam aportadas no sul de Portugal, mais precisamente em Setúbal e Algarve. Era uma represália pelo fato de piratas franceses terem atacado embarcações portuguesas, em São Jorge da Mina.

Dom Manuel, sucessor do Príncipe Perfeito, escolheu Vasco da Gama para ser o capitão-mor da frota que partiria em direção à Índia, em 1497. Às vésperas da expedição marítima para o Oriente, Vasco foi investido pelo monarca lusitano como cavaleiro da Ordem de Cristo, principal ordem militar envolvida com a expansão marítima portuguesa no período das Grandes Navegações. Possuidor de experiência em assuntos do mar e homem de confiança do monarca português, Vasco da Gama comandou a Armada dos Arcanjo, esquadra com a qual saiu do Tejo, Lisboa, em 08 de julho de 1497, rumo às “Índias”.

Os lusitanos seguiram ao longo da costa marroquina, em direção ao arquipélago das Canárias e depois para Cabo Verde. A esquadra de Vasco da Gama navegou tendo como referência a costa africana, realizou a volta larga, chegando bem próximo da costa brasileira, e retornou para contornar o Cabo da Boa Esperança, repetindo o feito de Bartolomeu Dias. Adentrou o Oceano Índico e seguiu em direção à Índia.

No dia 20 de maio de 1498, fundeou perto de Calicute. A descoberta da rota marítima para a Índia estabeleceu uma nova era para o comércio mundial e consolidou Portugal na vanguarda das navegações oceânicas. Vasco da Gama e seus comandados permaneceram em Calicute por mais de três meses. Na cidade, que era um grande entreposto do comércio oriental, no qual se destacavam as famosas especiarias, o capitão-mor estabeleceu diálogo com o samorim local. As dificuldades de comunicação entre culturas tão distintas e a oposição sofrida pelos portugueses por parte dos mercadores mulçumanos contribuíram para minar a relação com o líder da região.

Os portugueses regressaram para Portugal no final de agosto de 1898. A volta foi bastante complicada. Doenças e as demais dificuldades comuns em uma travessia daquele porte no final do século XV desgastaram os lusitanos. Entre julho e agosto de 1899, os sobreviventes chegaram a Lisboa. D. Manuel ficou extremamente satisfeito com a vitoriosa incursão lusitana. Vasco da Gama receberia várias honrarias, dentre elas a de Almirante do Mar da Índia. Além da inédita viagem para o Oriente (1497-1499), Vasco da Gama fez outras duas excursões para o território oriental, em 1502 e 1524. Naquela que seria a sua última aventura, veio a falecer em Goa, na noite de 24 de dezembro de 1524.

Vasco da Gama (comendador da Ordem de Santiago, cavaleiro da Ordem de Cristo, capitão-mor, almirante da Índia, conde da Vidigueira, vice-rei da Índia), o protagonista da histórica descoberta do caminho marítimo para o Oriente, é personagem central de um dos acontecimentos mais marcantes da história de Portugal e do mundo: o processo das navegações oceânicas, que ampliaram a relação do Ocidente com o Oriente, estabeleceram a mundialização do comércio e, em uma perspectiva mais global, foram decisivas na conjuntura que caracteriza a transição do mundo medieval para o moderno.

AS COMEMORAÇÕES DO IV CENTENÁRIO DA DESCOBERTA DO CAMINHO MARÍTIMO PARA A ÍNDIA

Séculos se passaram e a façanha que colocou Portugal como protagonista dentre as nações do mundo, realizada através da figura de Vasco da Gama, continuou sendo motivo de enorme orgulho para lusitanos. Em Portugal e nas suas colônias, os festejos pelos quatrocentos anos do feito português se iniciaram ainda em 1897, comemorando a partida do futuro Almirante das Índias para a sua missão no Oriente (1497). No Rio de Janeiro, as comemorações do IV Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para as Índias (1498-1898) também mexeram com os brios nacionalistas dos lusitanos.

Na urbe carioca, a atmosfera comemorativa contagiou as associações portuguesas e os lusitanos em geral. Um dos exemplos de mobilização da colônia em prol da demonstração do amor a sua pátria foi a “Grande Subscripção Patriotica Portugueza”, criada para “Commemorar o quarto centenario do descobrimento do caminho maritimo da India, offerecendo a Portugal um navio de guerra”, “em nome da colonia portugueza no Brazil”. Vários futuros fundadores e dirigentes do Club de Regatas Vasco da Gama participaram dessa campanha legitimamente lusitana.

No ano seguinte, em 1898, quando oficialmente se comemorou os quatro séculos da inédita trajetória traçada pelos portugueses pela via marítima, o Rio de Janeiro testemunhou espetáculos teatrais, festas, publicações de livros e revistas, e a circulação de selos e moedas comemorativos. Os clubes e demais associações portuguesas buscaram se organizar para exaltarem a data que comemorava uma das mais importantes páginas da história de Portugal. A imprensa carioca noticiou com bastante eloquência os festejos lusitanos.

FORMAS DE ARRECADAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO

Por que o Vasco foi fundado? Por que não se chamou C. R. Viriato (herói da Lusitânia), ou C. R. Luís de Camões, ou C. R. Marquês de Pombal, ou C. R. Pedro IV (o nosso Pedro I), ou até mesmo C. R. Pedro Álvares Cabral?

            No ano de 1898, o remo já estava consolidado no Rio de Janeiro. Havia clubes, uma liga, um Código de Regatas, um calendário minimamente definido que permitia a realização regular de competições e as agremiações buscavam se especializar cada vez mais. Além disso, membros da categoria dos empregados do comércio estavam presentes nos clubes náuticos, notadamente, no Boqueirão e Natação e Regatas. Entretanto, uma parte dos portugueses, e brasileiros identificados com a cultura lusitana, cuja maioria atuava no setor comercial carioca, desejou criar uma agremiação na qual pudessem tanto experimentar com maior liberdade a prática do remo, quanto aproveitar-se das instalações do clube do qual faziam parte e pagavam as suas mensalidades.

            O Rio de Janeiro, no final do século XIX e início do XX, era a cidade com maior presença de portugueses no Brasil, e com vários elementos muito prósperos economicamente, vinculados aos mais diversos setores da economia, com grande destaque ao comércio. No entanto, uma das marcas desse período era a imagem pública do imigrante português associada à decadência e ao atraso civilizacional. Desta feita, a constituição de um clube de remo – o mais popular dos esportes de então (profundamente conectado com as dimensões da modernidade que se espraiava pela metrópole carioca) – decorrente do movimento voluntário de negociantes e empregados do comércio do Rio de Janeiro, majoritariamente portugueses, representou o propósito de reordenar a imagem pública ou simbólica da comunidade lusitana na cidade (SANTANA, 2021, p. 17).

            A intenção dos Fundadores era obter a grandeza esportiva, desejo ratificados pelos demais dirigentes que vieram nos anos seguintes. Assim, parte dos elementos da colônia portuguesa encamparam esse projeto (cujo financiamento vinha, principalmente, das figuras mais abastadas desse grupo) e transformaram o Club de Regatas Vasco da Gama em uma ferramenta de reordenamento simbólico do imigrante português no então Distrito Federal. Além disso, estando o Clube aberto para a associação de brasileiros (e demais nacionalidades), a agremiação vascaína serviu para a consagração da união entre lusitanos e nacionais (SANTANA, 2021).

            A constituição da agremiação vascaína também surge da necessidade de atender aos anseios específicos das duas principais categorias profissionais que compunham a agremiação. Os negociantes buscariam utilizar o clube como espaço de demonstração de status e distinção social, apresentando para os seus patrícios e para a sociedade carioca como um todo (por exemplo, nas ocasiões de festas e regatas) o seu sucesso financeiro alcançado em terras brasileiras (SANTANA, 2021).

            Por sua vez, os empregados do comércio viam a participação no clube como uma chance de gozar de uma maior possibilidade de socialização, ampliando o espaço social de atuação, inclusive, para aqueles que possuíam um curto tempo para isso, em decorrência do longo e cansativo período destinado às atividades do trabalho. Havia em comum entre essas duas categorias, negociantes (patrões) e empregados do comércio, a intenção de tanto participar de um espaço de sociabilidade em uma agremiação que pudesse acomodar, especialmente, os lusitanos que labutavam no comércio da cidade, quanto o de experimentar a prática de um esporte intrinsicamente relacionado com os aspectos da modernidade que se espraiava pela cidade do Rio de Janeiro (SANTANA, 2021).

            A escolha do nome “Vasco da Gama” para batizar o Clube não foi um “feliz acaso”. Decorreu da intenção de atrair a colônia portuguesa que fazia parte do comércio do Rio de Janeiro. A influência e a justificativa vieram com base no ambiente contemplativo em torno da figura do navegador português Vasco da Gama, haja vista as comemorações pelos quatrocentos anos de sua chegada à Índia com a sua esquadra. A escolha do nome “Vasco da Gama” para batizar o clube de regatas, o qual parte dos empregados do comércio no Rio de Janeiro pretendia fundar, surge como uma estratégia para angariar adeptos em grande quantidade, com base na volumosa colônia portuguesa da cidade (SANTANA, 2021).

            As reuniões ou assembleias pré-fundação do Club de Regatas Vasco da Gama ocorreram em três locais. Na Rua Teófilo Ottoni, n.º 78 (local da Agostinho Lisboa & C.), como já dissemos, foi ocupada no primeiro momento para a definição das estruturas iniciais do futuro clube e produção das listas de subscrição. Na medida em que o número de adeptos da ideia cresceu, ao menos uma assembleia pré-fundação foi realizada no salão da Sociedade Dançante Estudantina Arcas, à Rua São Pedro, n.º 152 (defronte à então Praça General Osório, antigo Largo do Capim. Correspondente ao atual quarteirão da Av. Presidente Vargas, n.º 642 – entre as ruas Uruguaiana e dos Andradas). Por fim, também houve reunião na sede da Sociedade Dramática Particular Filhos de Talma, à Rua do Propósito, n° 12 (corresponde atualmente à Rua do Propósito, n° 20).

            No dia 21 de agosto de 1898, um domingo, realizou-se a “Assembleia Geral de Instalação do Club de Regatas Vasco da Gama”, em outras palavras, a assembleia de fundação da nova agremiação do remo carioca. O local escolhido foi o salão do sobrado da Rua da Saúde n.º 293 (atualmente, encontra-se o imóvel da Rua Sacadura Cabral, n.º 345). No térreo, funcionava uma casa comercial de café torrado, da firma M. C. Leitão & Braz, pertencente aos sócios portugueses Manoel Cardoso Leitão e Joaquim Antonio Pereira Braz. Provavelmente, tal fato se deu mediante contatos próximos existentes entre algum fundador e os proprietários.

A primeira Diretoria e o Conselho ficaram assim constituídos:

Diretoria:

Presidente: Francisco Gonçalves do Couto Junior (52 votos)

Vice-Presidente: Henrique Moreira Ferreira Monteiro (41 votos)

1.º Secretário: Luís Antonio Rodrigues (52 votos)

2.º Secretário: João Bellieni Salgado (52 votos)

1.º Tesoureiro: Antonio Martins Ribeiro (44 votos)

2.º Tesoureiro: Henrique Tavares Lagden (44 votos)

Diretor de Regatas: João Candido de Freitas (29 votos)

 

Conselho:

José de Souza Rosas (62 votos)

Alberto Pinto Cardozo de Almeida (61 votos)

Manoel Teixeira de Souza Junior (53 votos)

José Alexandre d’Avelar Rodrigues (61 votos)

Luiz Jacintho Ferreira de Carvalho (55 votos)

 

O emblema da agremiação viria a ser a cruz, sinal da fé cristã. Sendo esse mais um elemento atrativo sobre os lusitanos, de maioria católica. A cruz que os Fundadores do Clube deram ao Vasco é a Cruz de Cristo encarnada, uma representação do símbolo da Ordem de Cristo, que estava presente nas naus portuguesas no período das Grandes Navegações. Em decorrência a aspectos relacionados à tradição e memória comum ao coletivo dos Fundadores, nomeou-se o símbolo de “Cruz de Malta”.

 

Por esse tempo tinha-se festejado pomposamente no Rio de janeiro o Quarto Centenário da descoberta do caminho marítimo das Índias por Vasco da Gama. E por toda a parte aparecia, nas festas, nos cortejos, nas revistas e jornaes ao lado do nome do grande navegante a Cruz de Chisto usadas nas Caravellas (a que nos acustumanos a chamar de Malta […] Dahi o nome e symbolo, aceito entusiasticamente por todos, podendo dizer-se que já tinha nome, antes de vir ao mundo! (José Lopes de Freitas – Fundador do C. R. Vasco da Gama, 1945, p. 12).

Por esse tempo tinha-se festejado pomposamente no Rio de janeiro o Quarto Centenário da descoberta do caminho marítimo das Índias por Vasco da Gama. E por toda a parte aparecia, nas festas, nos cortejos, nas revistas e jornaes ao lado do nome do grande navegante a Cruz de Chisto usadas nas Caravellas (a que nos acustumanos a chamar de Malta […] Dahi o nome e symbolo, aceito entusiasticamente por todos, podendo dizer-se que já tinha nome, antes de vir ao mundo! (José Lopes de Freitas – Fundador do C. R. Vasco da Gama, 1945, p. 12).

Os Fundadores

 

O Club de Regatas Vasco da Gama, no dia da sua fundação, tinha ao menos 62 sócios-fundadores, independentemente da presença ou não de sua totalidade à reunião de instalação do clube (acredita-se que ao menos 14 Fundadores votaram por procuração, não estando presentes pessoalmente). Na documentação que enviou à União de Regatas Fluminense, entre outubro e novembro daquele ano, ou seja, pouco mais de três meses de sua fundação, havia uma lista de 187 nomes, os quais a agremiação legitimou como sendo seus Fundadores. Ainda devemos somar ao número de Fundadores, os três associados que saíram do Clube em outubro de 1898 (os associados que pediram demissão foram: Manoel Teixeira de Souza Junior, Gastão dos Santos Cirne e Manoel Martins Gomes) e o sócio-fundador Alfredo C. Pereira de Castro (citado em documentação posterior).

Dessa forma, chegamos ano número de 191 Fundadores e poucos meses depois o  Vasco da Gama possuía mais de 250 associados, cuja maioria era de portugueses, em seguida, vinham os brasileiros. Quando se filiou à liga de remo, a agremiação vascaína possuía mais membros se comparado a outros clubes coirmãos do esporte náutico mais velhos. Isso demonstra a capilaridade alcançada pela agremiação vascaína na esteira de parte da colônia portuguesa presente no comércio do Rio de Janeiro.

 

Número de fundadores e associados do Vasco e outros clubes esportivos
Clubes

Fundadores

(na Assembleia de Fundação)

Fundadores

 

Número de sócios à época de filiação na União de Regatas Fluminense
Vasco da Gama62191251 (07 de novembro de 1898)
Natação e Regatas127 (24 de setembro de 1897)
Boqueirão21113 (11 de abril de 1898)
Flamengo6

Fonte: SANTANA, Walmer Peres. A consolidação do Club de Regatas Vasco da Gama (1898-1906). 2021. 356f. Dissertação (Mestrado em História Política) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.

 

Os Fundadores do Vasco da Gama segundo a nacionalidade
NacionalidadeQuantidadePorcentagem
Portugueses5930,89%
Brasileiros115,76%
Não identificada12163,35%

Fonte: SANTANA, Walmer Peres. A consolidação do Club de Regatas Vasco da Gama (1898-1906). 2021. 356f. Dissertação (Mestrado em História Política) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.

 

No critério profissão, dentre o número daqueles que conseguimos identificar, a maioria estava ligada ao comércio, seja como empregado ou negociante. Para aqueles fundadores que conseguimos informações quanto a sua atividade comercial, mas não quanto a sua posição hierárquica nesse setor da economia, designamos sua profissão como “Comércio”. Segundo Fabiane Popinigis: “Desde o caixeiro até o negociante podiam ser denominados ou se denominarem como ‘do comércio’ ou simplesmente ‘comércio’. por vezes, mesmo pessoas desempregadas podiam designar-se como ‘do comércio’ ou simplesmente ‘comércio’ (POPINIGIS, 2007, p. 190). Dessa forma, chegamos ao seguinte resultado:

 

Os Fundadores do Vasco da Gama segundo a profissão/ocupação
ProfissãoQuantidadePorcentagem
“Comércio”2211,52%
Empregado do Comércio4523,56%
Negociante2814,66%
Escrevente10,52%
Funcionário Público10,52%
Médico21,05%
Telegrafista10,52%
Desconhecida9147,64%

Fonte: SANTANA, Walmer Peres. A consolidação do Club de Regatas Vasco da Gama (1898-1906). 2021. 356f. Dissertação (Mestrado em História Política) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.

 

Francisco Gonçalves do Couto Junior

Couto Junior foi o primeiro presidente do Club de Regatas Vasco da Gama, sendo eleito na Assembleia de Fundação, realizada em 21 de agosto de 1898, com 52 votos, dos 62 possíveis. Couto Junior tomou posse em 28 de agosto daquele ano. Filho dos portugueses Francisco Gonçalves do Couto e Maria Maxima das Dores, nasceu no dia 26 de novembro de 1864, na Ilha de Tavira (Tavira), Algarve, Portugal. Era negociante do ramo de serralheria a vapor, sendo proprietário da firma “Serralheria a Vapor Francisco Gonçalves do Couto Junior”, que passaria a se chamar “Teixeira & Couto, quando entrou em sociedade com Antonio Teixeira Rodrigues (Conde de Santa Marinha). A sede da firma ficava na Rua da Saúde, do n.° 106  ao n.°112. Sua residência localizava-se na Rua Barão de São Felix, n.° 25.

Couto Junior saiu do Vasco da Gama em 1899, no contexto da Primeira Cisão Social do Clube. Retornou para a agremiação vascaína em 1901, ostentando o título de “Presidente Honorário”, sendo eleito novamente para o cargo de Presidente naquele mesmo ano. O Presidente-Fundador veio a falecer no exercício de seu cargo, no dia 05 de março de 1902, vitimado por um rompimento de aneurisma. O mandatário vascaíno foi peça fundamental para o surgimento do Vasco da Gama e forneceu o sustentáculo financeiro e social que impulsionaram o Clube no seu primeiro ano de existência.

Os dirigentes (1898-1906)

             Entre 1898 e 1906, no período de Consolidação do Club de Regatas Vasco da Gama, 121 dirigentes ocuparam cargos com mandatos eletivos. Destes, ao menos 69 eram portugueses (57,02%), havia pelo menos 16 brasileiros (13,22%), um italiano (0,83%) e 35 dirigentes (28,93%) dos quais ainda não se identificou a nacionalidade. O comércio era a principal área de atuação dos “homens do Vasco”. Dos 121 dirigentes, 41 (33,88%) eram empregados do comércio, 35 negociantes (28,93%), 10 atuavam “comércio” (8,26%), quatro eram funcionários públicos (3,31%), dois eram médicos (1,65%), um advogado (0,83%). Há ainda 28 dirigentes dos quais ainda não se identificou as respectivas profissões (23,14%).

            Dessa forma, ao menos 86 homens (71, 07%), dos 121 dirigentes que ocuparam cargos no Vasco da Gama entre 1898 e 1906, atuavam no comércio da cidade do Rio de Janeiro. Os portugueses formavam a grande maioria, pois 69 dirigentes portugueses faziam parte do comércio, ou seja, todos aqueles “homens do Vasco” que eram lusitanos compunham o setor comercial da urbe carioca.

O VASCO, O RIO DE JANEIRO, O REMO E OS PORTUGUESES

O ELO ENTRE BRASIL E PORTUGAL

Quando voltar (Antonio dos Santos Malho refere-se ao retorno do português Alberto de Carvalho Silva, Presidente do Clube,  que abdicou do cargo para tratar de sua saúde em Portugal, grifo nosso), e Deus permitta que seja breve, cá nos encontrará sempre em torno da nossa bandeira Grancruzada com essa Cruz da Ordem de Christo, que serviu de estimulo aos navegadores portugueses, para a descoberta dos novos mundos; Cá nos encontrará sempre em torno d’essa Cruz Glorioza que é o Signal mais puro da Fé e que foi primeiro Symbolo que a audacia dos nossos antepassados conseguiu implantar na India ao mando d’esse Glorioso Capitão que se chamou Vasco da Gama, que é nosso Patrono e que é uma das puras e limpidas Glorias d’essa assombrosa Historia de Portugal!!! (Atas da Assembleia Geral do Club de Regatas Vasco da Gama (21/08/1898 a 18/10/1908), 20 de março de 1904).

Desde a sua fundação, o Club de Regatas Vasco da Gama tem sido uma coletividade onde se juntam, onde se congregam, à sombra de um mesmo ideal esportivo (o engrandecimento), portugueses e brasileiros. Na contemporaneidade, o Vasco é o maior elo entre o Brasil e Portugal no campo esportivo. No quadro geral das instituições luso-brasileiras, o Clube é um dos mais significativos representantes da relação de amizade entre portugueses e brasileiros. O tamanho da representatividade da agremiação vascaína pode ser medido em números. A população atual de Portugal é cerca de 10,3 milhões de habitantes, por sua vez, o número aproximado de adeptos do Vasco da Gama é de 10 milhões. A “população de vascaínos” é superior a qualquer outro número de adeptos de algum clube português. São milhões e milhões de torcedores, de variadas nacionalidades, mas especialmente lusitanos e nacionais, que se unem sob uma mesma bandeira, um mesmo clube, que nasceu no Brasil, mas tem a sua essência, nome e principal símbolo relacionados à história de Portugal.

DO REMO AO FUTEBOL: O VASCO AO LADO DOS EXCLUÍDOS DA SOCIEDADE E DO ESPORTE

Muitos sabem da luta do Vasco da Gama contra o racismo, o preconceito social e o próprio antilusitanismo no futebol. Porém, desde a primeira década do Novecentos, ainda no remo, principal esporte da época, a agremiação vascaína se colocou como protagonista da defesa dos membros de camadas sociais menos abastadas. No esporte náutico, o Vasco da Gama enfrentou o seu primeiro desafio contra os clubes coirmãos e a liga organizadora, que foram movidos pelo antilusitanismo e o preconceito social.

            Representantes de outros clubes náuticos na Federação Brasileira da Sociedade do Remo aprovaram regras mais rígidas para o amadorismo no esporte náutico. Era uma nítida tentativa de atingir os imigrantes lusitanos que trabalhavam no comércio, a base associativa do Vasco da Gama, desde a sua Fundação. Diante desse ataque ao Vasco e aos setores menos privilegiados da sociedade, vascaínos como os portugueses Alberto de Carvalho Silva e Augusto de Mattos Araujo tiveram a galhardia necessária para defender os direitos dos sócios do Clube.

            Tanto no remo quanto no futebol, os dirigentes vascaínos, ao invés de seguirem à risca a fórmula do amadorismo e evitarem problemas com outras agremiações, optaram por levar para dentro da agremiação todos que comungassem dos objetivos traçados pelo Clube. Mais do que isso, o Vasco da Gama se dispôs a enfrentar clubes e ligas, enfim, todos aqueles que o atacassem ou aos seus atletas, que passavam a viver sob o teto da mesma “casa vascaína”. Trazer os conflitos sociais e políticos para dentro da instituição (Estado, Igreja, clube etc.) a fim de controlá-lo e organizá-lo, diminuindo ou escamoteando as tensões é algo muito próprio da cultura portuguesa. 

Estádio de São Januário: o templo do povo

Na ensolarada tarde de 21 de abril de 1927, coube ao major português, José Manuel Sarmento de Beires (1893-1974), a honra de romper a fita inaugural do estádio que ficaria popularmente conhecido como São Januário. A “Casa Vascaína” é repleta de elementos que fazem menção às raízes lusitanas do Clube, como a sua fachada no estilo neocolonial, os painéis azulejados portugueses, o Busto do Almirante Vasco da Gama (patrono do Clube) e a Cruz de Cristo, à qual por tradição chamamos de Cruz de Malta.

O surgimento de São Januário remonta à luta do Vasco em poder colocar em prática a sua política de seleção de jogadores sem distinção de raça ou condição social. Além disso, com a sua história de fundação sui generis e a sua utilização ao longo do tempo como palco de grandes manifestações populares e marcos importantes para o país, o “templo vascaíno” escapou da serventia tradicional de arena esportiva e se colocou no decorrer de sua gloriosa existência como parte da história do Brasil, tornando-se um verdadeiro patrimônio nacional. 

NÃO É MERA NOSTALGIA, É VASCO: AS AÇÕES DO CLUBE NA CONTEMPORANEIDADE

O Vasco da Gama tem na sua história a principal fonte de inspiração para tomar decisões e promover ações que ratifiquem o Clube como um agente engajado em pautas sociais importantes. A agremiação vascaína busca destacar-se no combate às desigualdades sociais, bem como denunciar e confrontar qualquer forma de preconceito. Tal como uma legítima casa portuguesa, o Vasco é para todos e de todos.

O VASCO CONTRA OS PORTUGUESES NO LUDOPÉDIO

A PRIMEIRA EXCURSÃO PARA A EUROPA

Em 1931, o Vasco da Gama fez a sua primeira excursão internacional. A agremiação vascaína foi o primeiro clube carioca a atuar na Europa. O pioneirismo vascaíno foi coroado pelo gigantismo de suas atuações em Portugal e Espanha, que assombraram os amantes do futebol e a imprensa locais, dando conta de mostrar para os europeus em geral a qualidade da técnica brasileira.

A Delegação Vascaína

Chefe da Delegação: Raul da Silva Campos, Presidente do C. R. Vasco da Gama

Jogadores do Vasco da Gama – Jaguaré Bezerra Vasconcelos, Waldemar Sá Couto Guimarães (goleiros); Luiz Gervazoni (Itália), Alfredo Brilhante (zagueiros); Alfredo Tinoco, Fausto dos Santos (o Maravilha Negra), Sebastião Paiva Gomes (Molla), Luiz Ferreira Nesi, Antonio Castro Reis (Rainha) (meio campistas). Daniel Augusto Magdalena (Bahianinho), Carlos Paes (Oitenta-e-Quatro), Moacyr Siqueira de Queiroz (Russinho), João Ghisoni, Mario Mattos, Sebastião Sant’Anna;

Jogadores emprestados sob a autorização da AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Athleticos) – Fernando Giudicelli (Fluminense); do Botafogo: Nilo Murtinho Braga (Botafogo), Carlos Carvalho Leite (Botafogo) e Benedicto de Moraes Menezes (Botafogo).

Diretores: Capitão Orlando Eduardo da Silva (Diretor Técnico); Eduardo da Fonseca Filho (Tesoureiro), José da Silva Rocha (Secretário) e Harry Welfare (Treinador).

 

Partidas realizadas:

Espanha

28/06/1931 – VASCO 2×3 Barcelona – Estádio Les Corts (Barcelona)

29/06/1931 – VASCO 2×1 Barcelona – Estádio Les Corts (Barcelona)

05/07/1931 – VASCO 1×2 Celta – Estádio de Balaídos (Vigo)

07/07/1931 – VASCO 7×1 Celta – Estádio de Balaídos (Vigo)

 

Portugal

12/07/1931 – VASCO 5×0  Benfica – Estádio do Lumiar (Lisboa)

15/07/1931 – VASCO 4×2 Combinado de Lisboa – Campo das Amoreiras (Lisboa)

19/07/1931 – VASCO 3×1 Porto – Campo do Lima (Porto)

22/07/1931 – VASCO 9×2 Combinado Varzim-Boa Vista  – Estádio Guedes Amorim (Póvoa de Varzim)

24/07/1931 – VASCO 6×2 Ovarense – Estádio Parque da Oliveirinha (Ovar)

26/07/1931 – VASCO 1×2 Porto – Campo do Lima (Porto)

30/07/1931 – VASCO 1×1 Vitória de Setúbal – Campo das Amoreiras (Lisboa)

02/08/1931 – VASCO 4×1 Sporting – Estádio de Campo Grande (Lisboa)

O PRIMEIRO JOGO E DEMAIS CONFRONTOS

A primeira partida de futebol contra os lusitanos foi realizada em 22 de julho de 1928. O encontro entre a agremiação vascaína e o Sporting, ocorrido no Estádio de São Januário, terminou empatado em 1 a 1. Esse foi o primeiro confronto do Vasco da Gama com uma agremiação de outro continente. No geral, o Gigante da Colina enfrentou equipes portuguesas em 59 oportunidades: venceu 29 partidas, empatou 11 e perdeu 19. O Vasco marcou 124 gols e sofreu outros 83, somando 41 gols a seu favor.

A agremiação vascaína jogou 56 partidas com clubes portugueses e 3 com combinados locais. Nos embates com os clubes lusitanos, o Vasco da Gama possui 26 vitórias, 11 empates e 19 derrotas, marcou 107 gols  e sofreu 76. Isso resulta em um saldo de 31 gols a favor do “Clube de São Januário”. Nas disputas contra combinados, o Vasco venceu as três partidas que disputou, fez 17 gols e sofreu 7, mantendo um saldo positivo de 10 gols.

Partidas do Vasco contra equipes lusitanas

Adversário português

Jogos

Vitórias

Empates

Derrotas

Gols a favor

Gols Contra

Acadêmica de Coimbra

1

1

0

0

6

0

Belenenses

3

0

0

3

2

5

Benfica

7

3

3

1

16

7

Boavista

1

1

0

0

4

1

Chaves

1

0

1

0

1

1

Louletano

1

1

0

0

1

0

Marítimo

1

1

0

0

5

0

Ovarense

1

1

0

0

6

2

Porto

20

8

3

9

33

34

Sporting

14

6

2

6

23

22

Tirsense

1

1

0

0

2

1

Varzim

1

1

0

0

3

0

Vitória de Guimarães

2

2

0

0

4

2

Vitória de Setúbal

2

0

2

0

1

1

Total contra clubes

56

26

11

19

107

76

 

 

 

 

 

 

 

Combinado de Lisboa

2

2

0

0

8

5

Combinado Varzim-Boavista

1

1

0

0

9

2

Total contra combinados

3

3

0

0

17

7

 

 

 

 

 

 

 

Total geral

59

29

11

19

124

83

A BOA RELAÇÃO DO VASCO COM OS CLUBES COIRMÃOS LUSITANOS

Historicamente, o Vasco da Gama possui uma relação de amizade e proximidade com os clubes coirmãos de Portugal. O diálogo e a boa receptividade, de ambos os lados, que se estabeleceram durante décadas entre os dirigentes vascaínos e os administradores dos clubes portugueses vão muito além de uma única partida de futebol. Unidos pelos sentimentos de amor e respeito pela pátria portuguesa, vascaínos (dirigentes, sócios e torcedores) e os adeptos dos clubes portugueses mantiveram ao longo dos anos a cordialidade fraternal, que reforçou a condição do Vasco da Gama como o traço mais forte de união entre Brasil e Portugal no âmbito esportivo.

Um dos casos que exemplificam a condição do Vasco da Gama como um elo entre os dois países, refere-se a Francisco Augusto Marques da Silva. Nascido em Ovar, Portugal, no dia 25 de junho de 1881, era o segundo filho de António Marques da Silva e Rosa Duarte, ambos lavradores. Veio para o Brasil, tal qual outros milhares de lusitanos que partiram da sua pátria para a antiga colônia na América, buscando melhores condições de vida.

Francisco Marques da Silva tornou-se sócio do Vasco da Gama e obteve três mandatos como Presidente do Clube, entre 1918 e 1921. O dirigente foi uma das figuras centrais para a consolidação do futebol na agremiação vascaína. Após anos em território brasileiro, retornou bem-sucedido para a sua cidade natal. Em Ovar, continuou a envolver-se com o ludopédio. Esteve intimamente ligado à Associação Desportiva Ovarense, tendo sido eleito como o seu presidente por quatro períodos consecutivos.

 

E por amor ergui este monumento

“O Vasco é do tamanho da sua história”.

Centro de Memória CRVG.

Pesquisa e texto:
Walmer Peres Santana
(Historiador do CRVG)

Desenvolvimento:
Rogério Portugal

Club de Regatas Vasco da Gama